PRINCÍPIOS PENAIS LIMITADORES
DA DIGNIDADE HUMANA
É princípio fundamental de
que o Estado, especialmente no campo do direito penal, somente deverá intervir
na tutela dos bens jurídicos entendidos como sendo de maior relevância para o
indivíduo. Assim, emerge o princípio da intervenção mínima, diretamente
relacionado ao postulado da insignificância.
Não há qualquer definição científica legal do
princípio da insignificância, tais conceitos resultam apenas de intensas
discussões doutrinárias e jurisprudenciais. Até o momento, porém, todos os
estudos referentes ao assunto, ainda não chegaram a uma conceituação serena e
satisfatória a respeito de tal instituto jurídico, bem como há divergências e
opiniões conflitantes acerca dos casos e de sua respectiva aplicabilidade.
O objetivo principal deste estudo científico em
relação ao tema: “Princípios limitadores da dignidade humana” não tem por
escopo a pretensão de encontrar ou apresentar determinadas soluções, mas tão
somente questionar, levantar a questão de casos diferentes, com decisões
judiciais díspares sobre infrações penais de ínfima relevância.
Os
princípios da Insignificância e da Bagatela
É regra, para que um fato
seja tipificado ou considerado crime, é necessário que seja típico e
antijurídico (contrário às normas jurídicas) e seu agente, culpável. Pois,
ninguém será culpado por um crime não previsto em lei (“não há crime sem lei
anterior que o defina” CF art. 5º, XXXIX).
Tal princípio se relaciona
hipoteticamente a uma conduta penalmente tipificada e, em tese grave e ofensora
aos princípios legais, num caso concreto, dada à irrelevância de sua
consequência, não mereceria ser apenada. Suas origens remontam os estudos de
Klaus Roxin na Alemanha, tendo, no Brasil, difundido sua aplicação na década de
1990, sob a denominação de “crime de bagatela”.
Um fato praticado por um agente culpável se amoldaria
perfeitamente à descrição típica, mas não receberia reprimenda do direito
penal, posto que relacionado à quantidade sem valor, coisa inútil ou qualidade
que nada significa.
“As
proibições penais somente se justificam quando se referem a condutas que afetem
gravemente a direitos de terceiros; como consequência, não podem ser concebidas
como respostas puramente éticas aos problemas que se apresentam senão como
mecanismos de uso inevitável para que sejam assegurados os pactos que sustentam
o ordenamento normativo, quando não existe outro modo de resolver o conflito”.
SARRULE, Oscar Emilio, La crisis de legitimidad del sistema jurídico penal, (p.
98).
“O
princípio da insignificância repousa no princípio maior de que é inconcebível
um delito sem ofensa: nullum crimen sine iniuria. Ele pressupõe o princípio da
"utilidade penal", onde só é idôneo punir quando a conduta for
efetivamente lesiva a terceiros. Assim, consideram-se atípicas as ações ou
omissões que, dada a sua irrelevância, ofendem infimamente um bem juridicamente
protegido, só podendo justificar a punição as condutas efetivamente lesivas”.
Daiane Pimenta (2008)
“Princípio em que, por ser o resultado do
delito irrelevante quanto ao dano ou perigo ao bem juridicamente tutelado, não
há crime, por haver excludente de tipicidade, ou seja, o fato não pode ser
subsumido ao comando legal”. Maria Helena Diniz (2005, p. 837)
O aspecto
social do tema também é deveras importante, haja vista que, não se poderia
abarrotar a justiça com crimes insignificantes enquanto o Estado (e todo o seu
aparelho repressor) sofre com as mazelas tão conhecidas (superlotação,
lentidão, etc). Elaine Cruz dos Santos (2006):
“Soma-se
ainda (...) o aspecto eminentemente social do tema, pois em um país onde se
incrimina desvairadamente e abarrota-se a justiça com crimes insignificantes
esta, ao invés de buscar punir os crimes de grande lesividade se vê tendo que
movimentar todo o caro aparelho repressor do Estado para punir por exemplo o
furto de um pedaço de queijo ou um levíssimo arranhão, quando se deveria estar
atuando para coibir as condutas que realmente põe em perigo a paz social”.
[...] Até hoje é controversa a admissibilidade do princípio da insignificância,
subsistindo estudiosos que entendem não existir qualquer autorização no Código
Penal para a sua respectiva aplicação. Aristides Medeiros (2005)”.
“Não há no Código Penal nenhum dispositivo que
autorize o juiz a absolver alguém fazendo-o pela simples e tão só circunstância
de que o crime por si praticado terá ocasionado insignificante lesão a bem
jurídico, sem qualquer relevância social. [...] Induvidoso é que, se na
tipificação legal não há menção a extremo mínimo a ser considerado (como verbi
gratia, no caso de furto), não pode o intérprete sponte
própria estabelecer algum. [...] A seu turno, para os defensores de sua
existência, o direito penal, na esteira da fragmentariedade, deveria equacionar
a relevância da lesão ao bem jurídico, perfazendo, além do juízo de tipicidade
formal, um juízo de tipicidade material. Uma vez sendo a conduta típica, mas
formalmente desprezível, não haveria tipicidade material. (Alexandre Magno
Fernandes Moreira Aguiar (2004)”.
Jurisprudências do STF – Habeas
Corpus
"Princípio
da insignificância — Identificação dos vetores cuja presença
legitima o reconhecimento desse postulado de política criminal — Conseqüente
descaracterização da tipicidade penal em seu aspecto material — Delito de furto
simples, em sua modalidade tentada — Res furtiva no valor (ínfimo) de R$ 20,00
(equivalente a 5,26% do salário mínimo atualmente em vigor) — Doutrina —
Considerações em torno da jurisprudência do STF — Pedido deferido. O princípio
da insignificância qualifica-se como fator de descaracterização material da
tipicidade penal. O princípio da insignificância — que deve ser analisado em
conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima> do
Estado em matéria penal — tem o sentido de excluir ou de afastar a própria
tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina.
Tal postulado — que considera necessária, na aferição do relevo material da
tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima
ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação,
(c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a
inexpressividade da lesão jurídica provocada — apoiou-se, em seu processo de
formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema
penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a do
Poder Público. O postulado da insignificância e a função do direito penal: de
minimis, non curat praetor. O sistema jurídico há de considerar a
relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de
direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à
própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes
sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente
tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa
lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam
resultado, cujo desvalor — por não importar em lesão significativa a bens
jurídicos relevantes — não represente, por isso mesmo, prejuízo importante,
seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem
social." (HC 92.463, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 16-10-07,
DJ de 31-10-07). No mesmo sentido: HC 93.288, Rel. Min. Celso de Mello,
julgamento em 11-3-08, DJE de 24-10-08.
O Ministro do STF, Celso
de Mello, ao preconizar que “o direito penal não se deve ocupar de condutas que
produzam resultado cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a
bens jurídicos relevantes, não represente, por isso mesmo, perigo importante”,
elencou quatro requisitos para a caracterização e a incidência do princípio da
insignificância, quais sejam:
1) Mínima
ofensividade da conduta do agente;
2) Nenhuma
periculosidade social da ação;
3)
Reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento;
4)
Inexpressividade da lesão provocada.
Em suma, fica
evidentemente demonstrado que todas ás vezes que tais requisitos, aqui o bem
jurídico, tutelado sofreu uma ínfima,
irrisória agressão, bem como o agente não oferece qualquer perigo social,
haveria a incidência do postulado da bagatela.
O
princípio da Culpabilidade
“O principio da
culpabilidade deve ser entendido, em primeiro lugar, como repúdio a qualquer
espécie de responsabilidade pelo resultado, ou responsabilidade objetiva. Mas
deve igualmente ser entendido como exigência de que a pena não seja infligida
senão quando a conduta do sujeito, mesmo associada causalmente a um resultado,
lhe seja reprovável. [...] O principio da culpabilidade impõe a subjetividade
da responsabilidade penal. Não cabe, em direito penal, uma responsabilidade
objetiva, derivada tão-só de uma associação causal entre a conduta e um
resultado de lesão ou perigo para um bem jurídico. É indispensável a
culpabilidade. No nível do processo penal, a exigência de provas quanto a esse
aspecto ao aforisma ‘culpabilidade não se presume’. A responsabilidade penal é
sempre subjetiva.” .BATISTA, Nilo (1990, p. 104)
Para outro doutrinador e estudioso do direito o professor Bitencourt (2003, p. 14), a culpabilidade possui diversos sentidos:
“Em primeiro lugar, a culpabilidade, como fundamento da pena, refere-se ao fato de ser possível ou não a aplicação de uma pena ao autor de um fato típico e antijurídico, isto é, proibido pela lei penal. Para isso, exige-se a presença de uma serie de requisitos – capacidade de culpabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade da conduta – que constituem os elementos positivos específicos do conceito dogmático de culpabilidade. A ausência de qualquer desses elementos é suficiente para impedir a aplicação de uma sanção penal. Em segundo lugar, a culpabilidade, como elemento da determinação ou medição da pena. Nessa acepção a culpabilidade funciona não como fundamento da pena, mas como limite desta, impedindo que a pena seja imposta aquém ou além da medida prevista pela própria ideia de culpabilidade, aliada, é claro, a outros critérios, como importância do bem jurídico, fins previstos etc.”
Assim,
resumidamente, poderíamos perfeitamente dizer que pelo princípio em exame, não
há pena sem culpabilidade, decorrendo daí três consequências materiais: a) não
há responsabilidade objetiva pelo simples resultado; b) a responsabilidade
penal é pelo fato e não pelo autor; c) a culpabilidade é a medida da pena.
Felizmente,
essa é a posição que vem sendo adota pelos Tribunais Superiores (STF e STJ),
coibindo abusos e respeitando o princípio constitucional da culpabilidade.
Note-se, em especial, a decisão abaixo, proferida recentemente pelo Pretório
Excelso, em que é registrada inclusive uma mudança de entendimento da
jurisprudência em torno do tema, inclusive com menção a inúmeros precedentes:
Jurisprudência
“EMENTA: 1. Habeas Corpus. Crimes contra o Sistema Financeiro
Nacional (Lei no 7.492, de 1986). Crime societário. 2. Alegada inépcia da
denúncia, por ausência de indicação da conduta individualizada dos acusados. 3.
Mudança de orientação jurisprudencial, que, no caso de crimes societários,
entendia ser apta a denúncia que não individualizasse as condutas de cada
indiciado, bastando a indicação de que os acusados fossem de algum modo
responsáveis pela condução da sociedade comercial sob a qual foram supostamente
praticados os delitos. Precedentes: HC no 86.294-SP, 2a Turma, por maioria, de minha
relatoria, DJ de 03.02.2006; HC no 85.579-MA, 2a Turma, unânime, de minha
relatoria, DJ de 24.05.2005; HC no 80.812-PA, 2a Turma, por maioria, de minha
relatoria p/ o acórdão, DJ de 05.03.2004; HC no 73.903-CE, 2a Turma, unânime,
Rel. Min. Francisco Rezek, DJ de 25.04.1997; e HC no 74.791-RJ, 1a Turma,
unânime, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 09.05.1997. 4. Necessidade de
individualização das respectivas condutas dos indiciados. 5. Observância dos
princípios do devido processo legal (CF, art. 5o, LIV), da ampla defesa,
contraditório (CF, art. 5o, LV) e da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1o,
III). Precedentes: HC no 73.590-SP, 1a Turma, unânime, Rel. Min. Celso de
Mello, DJ de 13.12.1996; e HC no 70.763-DF, 1a Turma, unânime, Rel. Min. Celso
de Mello, DJ de 23.09.1994. 6. No caso concreto, a denúncia é inepta porque não
pormenorizou, de modo adequado e suficiente, a conduta do paciente. 7. Habeas
corpus deferido”. (STF. HC 86879 / SP. Relator(a): Min. JOAQUIM
BARBOSA. Publicação: DJ 16-06-2006)
“CRIMINAL. RHC. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. INÉPCIA DA DENÚNCIA.
CRIME SOCIETÁRIO. IMPUTAÇÃO BASEADA NA CONDIÇÃO DE SÓCIO DE EMPRESA.
NECESSIDADE DE DESCRIÇÃO MÍNIMA DA RELAÇÃO DO PACIENTE COM OS FATOS DELITUOSOS.
OFENSA AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. ANULAÇÃO DO FEITO DETERMINADA. PLEITO DE
TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXTENSÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO AO CO-RÉU. AUSÊNCIA
DE DOLO ESPECÍFICO. PENDÊNCIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. FALTA DE JUSTA CAUSA.
ARGUMENTOS PREJUDICADOS. RECURSO PROVIDO.I. Hipótese na qual o Ministério
imputou ao paciente a suposta prática de crime contra a ordem tributária, pois,
na qualidade de administrador de empresa, teria realizado, em tese, importações
para terceiros mediante sonegação fiscal, sem, contudo, demonstrar qualquer vínculo
entre a condição de administrador de sociedade e a ação supostamente criminosa.
II. O entendimento desta Corte – no sentido de que, nos crimes societários, em
que a autoria nem sempre se mostra claramente comprovada, a fumaça do bom
direito deve ser abrandada, não se exigindo a descrição pormenorizada da
conduta de cada agente –, não denota que o órgão acusatório possa deixar de
estabelecer qualquer vínculo entre o denunciado e a empreitada criminosa a ele
imputada. III. O simples fato de ser sócio, diretor ou administrador de empresa
não autoriza a instauração de processo criminal por crimes praticados no âmbito
da sociedade, se não restar comprovado, ainda que com elementos a serem
aprofundados no decorrer da ação penal, a mínima relação de causa e efeito
entre as imputações e a sua função na empresa, sob pena de se reconhecer a
responsabilidade penal objetiva. IV. A inexistência absoluta de elementos
hábeis a descrever a relação entre os fatos delituosos e a autoria ofende o
princípio constitucional da ampla defesa, tornando inepta a denúncia.
Precedentes do STF e do STJ. V. Deve ser declarada a inépcia da denúncia e
determinada a anulação da ação penal em relação ao paciente. VI. Evidenciado
que a inépcia da exordial recai também sobre os co-réus, resta configurada a
identidade de situação processual entre o acusado e estes, devendo ser
estendidos os efeitos da presente ordem de habeas corpus aos denunciados
MARCELO MAGRIM e MARIA CARLIM DOS SANTOS. VII. Diante da anulação da inicial
acusatória, restam prejudicados os demais argumentos da defesa, relativos ao
pedido de trancamento da ação penal. VIII. Recurso provido, nos termos do voto
do Relator”. (STJ. RHC 19764 / PR. MIN. GILSON DIPP. DJ 25.09.2006)
Princípio da Proporcionalidade
Os princípios constitucionais possuem
atuação determinante na efetivação de todo o ordenamento jurídico, uma vez que
atuam como ponto de partida para a interpretação das normas constitucionais e
infraconstitucionais. O princípio da proporcionalidade, por ser um princípio
que pode ser empregado em sentido amplo, possui íntima relação com os outros,
dentre os quais pode-se destacar o princípio da isonomia, o princípio da
razoabilidade e o princípio da legalidade.
A vinculação do princípio da proporcionalidade por
via dos direitos fundamentais justifica o entendimento de que qualquer
manifestação do poder público deve render-lhe obediência, pois se modera pela
necessidade que o operador jurídico tem de analisar o caso concreto em cotejo
com a norma aplicável, e, ao utilizá-la, deverá adequá-la à realidade vigente
em determinado período e para determinada realidade.
Por meio deste princípio verifica-se se
os fatores de restrição tomados em consideração são adequados à realização
ótima dos direitos colidentes ou concorrentes e, em razão desse motivo que o
princípio da proporcionalidade aufere
um grande prestígio. Afinal, o que se almeja é a garantia aos indivíduos de
direitos fundamentais que não podem ser menosprezados a qualquer titulo.
“O princípio da proporcionalidade aparece insculpido em diversas passagens de nosso Texto Constitucional, quando exige a individualização da pena (art. 5.º, XLVI), exclui certos tipos de sanções (art. 5.º, XLVII) e requer mais rigor para casos de maior gravidade (art. 5.º, XLII, XLIII e XLIV) e moderação para infrações menos graves (art. 98, I). [...] Com efeito, a Constituição Federal, no seu art. 5.º, XLIII, dispõe que “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”. O constituinte, desde logo, assegurou que o tráfico de drogas, a tortura e o terrorismo são merecedores de tratamento penal mais severo. Cumpria ao legislador ordinário a tarefa de escolher um critério para classificar e definir os crimes hediondos, que mereceriam o mesmo tratamento rigoroso. Desse modo, a pena, isto é, a resposta punitiva estatal ao crime, deve guardar proporção com o mal infligido ao corpo social. Deve ser proporcional à extensão do dano, não se admitindo que o sistema penal, levando em conta uma mesma circunstância (antecedentes), traga um benefício imerecido ao autor de um crime equiparado a hediondo, possibilitando que a sua pena seja diminuída de um sexto a dois terços, inclusive aquém do mínimo legal, quando os demais jurisdicionados, autores de crimes de menor repulsa social (injúria, calúnia, bigamia etc.) e portadores de bons antecedentes, sejam contemplados apenas com uma circunstância judicial (art. 59, caput), cujo limite mínimo de pena jamais poderá ser alterado. A distorção, além de ofender o princípio da proporcionalidade das penas, acarreta grave instabilidade à ordem social e à segurança da coletividade, pois a defesa do bem jurídico que se pretende proteger com a incriminação do tráfico de drogas foi menoscabada pelo legislador. Do ponto de vista da prevenção geral, tal previsão legal, dessa forma, é descabida, inoportuna. Preenchidos, assim, os quatro requisitos legais, o traficante poderá contar com o tratamento benéfico da lei. Trata-se de disposição que não constava no regime da lei revogada. Constitui, portanto, um prêmio, um benefício a inúmeros traficantes, os quais poderão ter suas penas diminuídas em até dois terços. Muito embora o § 4.º possua conteúdo benéfico, o que, por força de comando constitucional, autorizaria a sua retroação, todo o restante do art. 33 da lei nada tem de benéfico, pois aumentou a pena do tráfico de drogas, que era de 3 a 15 anos, para de 5 a 15 anos e impôs uma multa mais pesada (500 a 1.500 dias-multa), o que tem gerado grande discussão doutrinária e jurisprudencial acerca de sua incidência.
Deixando, no entanto, de lado a discussão travada na doutrina e jurisprudência acerca da aplicação da lei penal no tempo, vislumbramos que o mencionado dispositivo legal é inconstitucional, por ofensa ao princípio da proporcionalidade das penas”. Fernando Capez (Promotor de Justiça e Deputado Estadual. Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Mestre em Direito pela USP e doutor pela PUC/SP. Professor da Escola Superior do Ministério Público e de Cursos Preparatórios para Carreiras Jurídicas, site http://capez.taisei.com.br)
Jurisprudência
Ementa
AGRAVO DE INSTRUMENTO – CAUTELAR INOMINADA – LIMINAR
DETERMINANDO O ESTADO O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS A PACIENTES DE AIDS –
IMPRESCINDIBILIDADE DA MEDIDA – RECURSO DEPROVIDO. O fato de necessitar o
agravado, pessoa pobre e doente de AIDS, de tratamento inadiável, disponível no
mercado e que se revela essencial à preservação de sua própria vida, aliado ao
impostergável dever do Estado de assegurar a todos os cidadãos,
indistintamente, o direito à saúde (artigo 6º e 196, da CF/88), justifica a
concessão de liminar impondo ao Ente Público a obrigação de fornecer os
medicamentos capazes de evitar-lhe a morte.
Princípio
da Adequação Social
O princípio da adequação social, na
verdade, possui dupla função. Uma delas já é a de restringir o âmbito de
abrangência do tipo penal, limitando a sua interpretação, e dele excluindo as
condutas consideradas socialmente adequadas e aceitas pela sociedade. A segunda
função é dirigida ao legislador em duas vertentes. A primeira dela orienta o
legislador quando da seleção da conduta que deseja proibir ou impor, com a
finalidade de proteger os bens considerados
mais importantes. Se a conduta que está
na mira do legislador for considerada socialmente adequada, não poderá
ele reprimi-la valendo-se do direito penal.
Tal princípio serve, portanto, como
norte. A segunda vertente destina-se a fazer com que o legislador repense os
tipos penais e retire do ordenamento jurídico a proteção sobre aqueles bens
cujas condutas já se adaptaram perfeitamente à evolução da sociedade. Assim, da
mesma forma que o princípio da intervenção mínima, o princípio da adequação
social, nesta última função,destina-se precipuamente ao legislador,
orientando-o nas escolhas de condutas a serem proibidas ou impostas, bem como
na revogação de tipos penais.
“por sua imprecisão, a teoria da adequação social é
predominantemente recusada pela doutrina. Hoje, ela parece reduzida a um
critério de interpretação: as elementares dos tipos devem ser concretizadas de
tal maneira que não abranjam fatos socialmente adequados”. (Introdução. In:
ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal, p. 32-33)
Jurisprudência
“Penal.
Contravenção do ‘jogo do bicho’.
ACORDÃO ABSOLUTÓRIO FUNDADO NA PERDA DA
EFICÁCIA DA NORMA CONTRAVENCIONAL (‘a conduta embora punível deixa de sê-lo
socialmente’). Decisão que nega vigência ao art. 58, §1º, ‘b’, do Decreto-Lei
nº 6.259/44. Reconhece-se, em doutrina, que o costume, sempre que beneficie o
cidadão, é fonte do direito penal.Não obstante, para nascimento do direito
consuetudinário, são exigíveis certos requisitos essenciais (reconhecimento
geral e vontade geral de que a norma costumeira atue como direito vigente), não
identificáveis com a mera tolerância ou omissão de algumas autoridades.
A circunstância de o próprio Estado
explorar jogos de azar não altera esse entendimento porque, no caso em exame, o
que se pune é uma certa modalidade de jogo: a clandestina, proibida e não
fiscalizada” (STJ, REsp. 54716/PR, REsp. 1994, p. 32634).
“Contravenção penal. Art. 58, § 1º,
Decreto-Lei nº 6.259/44. Jogo do bicho. Norma penal em vigor. Prescrição.
Extinção da punibilidade.
I -
Dispositivo legal, desde que não seja temporário, só perde vigência se
advier outra lei que a modifique ou revogue, art. 2º do Decreto-Lei nº 4.657/42
II - A tolerância ou omissão de algumas
autoridades em reprimir contravenção penal não tem o condão de ab-rogar ou de
derrogar norma legal.
III - Acórdão absolutório, fundado em
perda de eficácia da norma contravencional, nega a vigência de dispositivo
legal.
IV – recurso conhecido e provido para
restabelecer a sentença de primeiro grau, mas declarar extinta a punibilidade
pela prescrição” (REsp. 23221/SP – Recurso Especial 1992/0013775-0 – Rel. Min.
Pedro Acioli – 6ª Turma, publicado no DJ em 2/5/1994, p. 10.024).
Referências
Bibliográficas:
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal - Parte Geral. 12ª ed. São Paulo: Impetus,
2010.
MIRABETE, Julio Fabbrini – Manual de Direito Penal - Parte Geral.
ed. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2004.
DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. 2. Ed. São Paulo:
Saraiva, 2005
Sites:
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