PSICOLOGIAS: Uma introdução ao estudo da psicologia – Disponível
em PDF
BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA,
Maria de Lourdes Trassi
Autor:
Siomar Zachesky
A PSICANÁLISE
“Se fosse preciso concentrar numa palavra a
descoberta freudiana, essa palavra seria incontestavelmente inconsciente” (pág. 91)
As teorias científicas surgem influenciadas
pelas condições da vida social, nos seus aspectos econômicos, políticos,
culturais etc. São produtos históricos criados por homens concretos, que vivem
o seu tempo e contribuem ou alteram, radicalmente, o desenvolvimento do
conhecimento. (pág. 91)
“Sigmund Freud
(1856-1939) foi um médico vienense que alterou,radicalmente, o modo de pensar a
vida psíquica. Sua contribuição é
comparável à de Karl
Marx na compreensão dos processos históricos sociais.” (pág. 91)
Enquanto teoria, caracteriza-se por um conjunto de conhecimentos
sistematizados sobre o funcionamento da vida psíquica. Freud publicou
uma extensa obra, durante toda a sua vida, relatando suas descobertas e
formulando leis gerais sobre a estrutura e o funcionamento da psique
humana. (pág. 92)
“Atualmente,
o exercício da Psicanálise ocorre de muitas outras formas. Ou seja, é usada
como base para psicoterapias, aconselhamento, orientação; é aplicada no
trabalho com grupos, instituições.” (pág. 92)
Compreender
a Psicanálise significa percorrer novamente o trajeto pessoal de Freud, desde a
origem dessa ciência e durante grande parte de seu
desenvolvimento.
A relação entre autor e obra torna-se mais significativa quando descobrimos que
grande parte de sua produção foi baseada em experiências pessoais, transcritas
com rigor em várias de suas obras, como A interpretação dos sonhos e
A psicopatologia da vida cotidiana, dentre outras.(pág. 92)
“não
é uma aquisição definitiva da humanidade, mas tem que ser realizada de
novo
por cada paciente e por cada psicanalista” (pág. 93)
A
GESTAÇÃO DA PSICANÁLISE
Freud formou-se em Medicina na Universidade
de Viena, em 1881, e especializou-se em Psiquiatria. Trabalhou algum tempo em
um laboratório de Fisiologia e deu aulas de Neuropatologia no instituto onde
trabalhava. Por dificuldades financeiras, não pôde dedicar-se integralmente à
vida acadêmica e de pesquisador. Começou, então, a clinicar, atendendo pessoas
acometidas de “problemas nervosos”. Obteve, ao final da residência médica, uma
bolsa de estudo para Paris, onde trabalhou com Jean Charcot, psiquiatra francês
que tratava as histerias com hipnose. Em 1886, retornou a [pg. 71] Viena e voltou a
clinicar, e seu principal instrumento de trabalho na eliminação dos sintomas
dos distúrbios nervosos passou a ser a sugestão hipnótica3. (pág. 93)
“Breuer
denominou método catártico o
tratamento que possibilita a liberação de afetos e emoções ligadas a
acontecimentos traumáticos que não puderam ser expressos na ocasião da vivência
desagradável ou dolorosa.” (pág. 94)
“Freud,
em sua Autobiografia, afirma
que desde o início de sua prática médica usara a hipnose, não só com objetivos
de sugestão, mas também para obter a história da origem dos sintomas.” (pág.
94)
Estes conteúdos psíquicos localizam-se” no inconsciente. Tais descobertas “(...)
constituíram a base principal da compreensão das neuroses e impuseram uma
modificação do trabalho terapêutico. Seu objetivo (...) era descobrir as
repressões e suprimi-las através de um juízo que aceitasse ou condenasse
definitivamente o excluído pela repressão. Considerando este novo estado de
coisas, dei ao método de investigação e cura resultante o nome de psicanálise
em substituição ao de catártico”. (pág. 95)
A PRIMEIRA TEORIA
SOBRE A ESTRUTURA DO APARELHO PSÍQUICO
“O inconsciente exprime o
“conjunto dos conteúdos não presentes no campo atual da consciência”. É
constituído por conteúdos reprimidos, que não têm acesso aos sistemas
pré-consciente/consciente, pela ação de censuras internas.” (pág. 95)
“• O
pré-consciente refere-se
ao sistema onde permanecem aqueles conteúdos acessíveis à consciência. É aquilo
que não está na consciência, neste momento, e no momento seguinte pode estar.”
(pág. 96)
“• O
consciente é o sistema do
aparelho psíquico que recebe ao mesmo tempo as informações do mundo exterior e
as do mundo interior.”
A
DESCOBERTA DA SEXUALIDADE INFANTIL
Freud, em suas investigações na prática
clínica sobre as causas e o funcionamento das neuroses, descobriu que a maioria
de pensamentos e desejos reprimidos referiam-se a conflitos de ordem sexual,
localizados nos primeiros anos de vida dos indivíduos, isto é, que na vida
infantil estavam as experiências de caráter traumático, reprimidas, que se
configuravam como origem dos sintomas atuais, e confirmava-se, destaforma, que
as ocorrências deste período da vida deixam
marcas profundas na estruturação da pessoa. As descobertas colocam a
sexualidade no centro da vida psíquica, e é postulada a existência da
sexualidade infantil. Estas afirmações tiveram profundas repercussões na
sociedade puritana da época, pela concepção vigente da infância como
“inocente”. (pág, 96)
No processo de desenvolvimento psicossexual,
o indivíduo, nos primeiros
tempos de vida, tem a função sexual ligada à
sobrevivência, e, portanto, o prazer é encontrado no próprio corpo. O corpo é
erotizado, isto é, as excitações sexuais estão localizadas em partes do corpo,
e há um desenvolvimento progressivo que levou Freud a postular as fases do
desenvolvimento sexual em: fase oral (a
zona de erotização é a boca), fase anal
(a zona de erotização é o ânus), fase
fálica (a zona de erotização é o órgão sexual); em seguida vem um
período de latência, que se
prolonga até a puberdade e se caracteriza por uma diminuição das atividades
sexuais, isto é, há um “intervalo” na evolução da sexualidade. E, finalmente,
na puberdade é atingida a última fase, isto é, a fase genital, quando
o objeto de erotização ou de desejo não está mais no próprio corpo, mas era um
objeto externo ao indivíduo — o outro. Alguns autores denominam este período
exclusivamente como genital, incluindo o período fálico nas organizações
pré-genitais, enquanto outros autores denominam o período fálico de organização
genital infantil. (pág, 97)
Posteriormente, por medo da perda do amor do
pai, “desiste” da mãe, isto é, a mãe é “trocada” [pg. 75] pela riqueza do mundo social e cultural, e o garoto pode,
então, participar do mundo social, pois tem suas regras básicas internalizadas
através da identificação com o pai. (pág. 98)
EXPLICANDO DO ALGUNS
CONCEITOS
“Antes
de prosseguirmos um pouco mais acerca das descobertas fundamentais de Freud, é
necessário esclarecer alguns conceitos [...]” (pág. 98)
“No processo terapêutico
e de postulação teórica, Freud, inicialmente, entendia que todas as cenas
relatadas pelos pacientes tinham de fato ocorrido.” (pág. 98)
A
pulsão refere-se a um estado de
tensão que busca, através de um objeto, a supressão deste estado. Eros é
a pulsão de vida e abrange as pulsões sexuais e as de autoconservação. Tanatos
é a pulsão de morte, pode ser autodestrutiva ou estar dirigida para fora e
se manifestar como pulsão agressiva ou destrutiva. (pág. 99)
“Sintoma, na teoria psicanalítica, é uma
produção — quer seja um comportamento, quer seja um pensamento — resultante de
um conflito psíquico entre o desejo e os mecanismos de defesa.” (pág. 99)
A
SEGUNDA TEORIA DO APARELHO PSÍQUICO
“Entre
1920 e 1923, Freud remodela a teoria do aparelho psíquico e introduz os
conceitos de id, ego e superego para referir-se aos três
sistemas da personalidade.” (pág. 99)
O id constitui
o reservatório da energia psíquica, é onde se “localizam” as pulsões: a de vida
e a de morte. As características atribuídas ao sistema inconsciente, na
primeira teoria, são, nesta teoria, atribuídas ao id. É regido pelo princípio
do prazer. O ego é o sistema que
estabelece o equilíbrio entre as exigências do id, as exigências da realidade e
as “ordens” do superego. Procura “dar conta” dos interesses da pessoa. É regido
pelo princípio da realidade, que, com o princípio do prazer, rege o funcionamento
psíquico. É um regulador, na medida em que altera o princípio do prazer para
buscar a satisfação considerando as condições objetivas da realidade. Neste
sentido, a busca do prazer pode ser substituída pelo evitamento do desprazer.
As funções básicas do ego são: percepção, memória, sentimentos, pensamento. O superego origina-se com o complexo de
Édipo, a partir da internalização das proibições, dos limites e da autoridade.
A moral, os ideais são funções do superego. O conteúdo do superego refere-se
aexigências sociais e culturais. (pág, 99-100)
“Portanto, por medo
dessa perda, deve-se evitar fazer ou desejar fazer a coisa má; mas, o desejo
continua e, por isso, existe a culpa.”(pág.100)
OS MECANISMOS DE
DEFESA, OU A REALIDADE COMO ELA NÃO É
A percepção de um acontecimento, do mundo
externo ou do mundo interno, pode ser algo muito constrangedor, doloroso,
desorganizador. Para evitar este desprazer, a pessoa “deforma” ou suprime a
realidade — deixa de registrar percepções externas, afasta determinados conteúdos
psíquicos, interfere no pensamento. (pág. 101)
”Para
Freud, defesa é a operação pela qual o ego exclui da consciência os conteúdos
indesejáveis, protegendo, desta forma, o aparelho psíquico.” (pág. 101)
Estes mecanismos são:
• Recalque:
o indivíduo “não vê”, “não ouve” o que ocorre. Existe a supressão de uma
parte da realidade. Este aspecto que não é percebido pelo indivíduo faz parte
de um todo e, ao ficar invisível,
altera, deforma o sentido do todo. E como se,
ao ler esta página, [pg. 78] uma
palavra ou uma das linhas não estivesse impressa, e isto impedisse a compreensão da frase ou desse outro sentido ao que
está escrito. Um exemplo é
quando entendemos uma proibição como permissão
porque não “ouvimos” o “não”. O recalque, ao suprimir a percepção do que está acontecendo, é o mais radical dos
mecanismos de defesa. Os demais
referem-se a deformações da realidade. (pág. 102)
• Formação reativa: o ego procura
afastar o desejo que vai em determinada direção, e, para isto, o indivíduo
adota uma atitude oposta este desejo. Um bom exemplo são as atitudes exageradas
— ternura excessiva, superproteção — que escondem o seu oposto, no caso, um
desejo agressivo intenso. Aquilo que aparece (a atitude) visa esconder do
próprio indivíduo suas verdadeiras motivações (o desejo), para preservá-lo de
uma descoberta acerca de si mesmo que poderia ser bastante dolorosa. É o caso
da mãe que superprotege o filho, do qual tem muita raiva porque atribui a ele
muitas de suas dificuldades pessoais. Para muitas destas mães, pode ser
aterrador admitir essa agressividade em relação ao filho. (pág. 102)
•Regressão:
o indivíduo retorna a etapas anteriores de seu desenvolvimento; é uma
passagem para modos de expressão mais primitivos. Um exemplo é o da pessoa que
enfrenta situações difíceis com bastante ponderação e, ao ver uma barata, sobe
na mesa, aos berros. Com certeza, não é só a barata que ela vê na barata. (pág.
102)
•
Projeção: é uma confluência de
distorções do mundo externo e interno. O indivíduo localiza (projeta) algo de
si no mundo externo e nãopercebe aquilo foi projetado como algo seu que
considera indesejável. É um mecanismo de uso freqüente e observável na vida
cotidiana. (pág. 102)
“•Racionalização: o indivíduo constrói
uma argumentação intelectualmente convincente e aceitável, que justifica os
estados “deformados” da consciência. Isto é, uma defesa que justifica as
outras.” (pág. 103)
PSICANÁLISE:
APLICAÇÕE E CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS
A
característica essencial do trabalho psicanalítico é o deciframento do
inconsciente e a integração de seus conteúdos na consciência. (pág. 103-104)
A finalidade deste trabalho investigativo é o
autoconhecimento, que possibilita lidar com o sofrimento, criar mecanismos de
superação das dificuldades, dos conflitos e dos submetimentos em direção a uma
produção humana mais autônoma, criativa e gratificante de cada indivíduo, dos
grupos, das instituições. (pág. 104)
“Atualmente,
e inclusive no Brasil, os psicanalistas estão debatendo o alcance social da
prática clínica visando torná-la acessível a amplos setores da sociedade.”
(pág. 104)
“A
partir desta compreensão e de suas observações, os psicanalistas tentam criar
modalidades de intervenção no social que visam superar o mal-estar na
civilização.” (pág. 105)
O método psicanalítico usado para desvendar o
real, compreender o sintoma individual ou social e suas determinações, é o interpretativo. No caso da análise
individual, o material de trabalho do analista são os sonhos, as associações
livres, os atos falhos (os esquecimentos, as substituições de palavras etc.).
Em cada um desses caminhos de acesso ao inconsciente, o que vale é a história
pessoal. Cada palavra, cada símbolo tem um significado particular para cada
indivíduo, o qual só pode ser apreendido a partir de sua história, que é
absolutamente única e singular. [pg.
81] (pág. 105)
Texto
complementar
Que significa haver o inconsciente? Em
primeiro lugar (...) uma certa forma de descobrir sentidos, típica da
interpretação psicanalítica. Ou seja, tendo descoberto uma espécie de ordem nas
emoções das pessoas, os psicanalistas afirmam que há um lugar hipotético donde
elas provêm. É como se supuséssemos que existe um lugar na mente das
pessoas que funciona à semelhança da interpretação que fazemos; só que ao contrário:
lá se cifra o que aqui deciframos. (pág. 106)
“Veja
os sonhos, por exemplo. Dormindo, produzimos estranhas histórias, que parecem
fazer sentido, sem que saibamos qual.” (pág. 106)
Chegamos a pensar que nos anunciam o futuro,
simplesmente porque parecem anunciar algo, querer comunicar algum sentido.
Freud, tratando dos sonhos, partia do princípio de que eles diziam algo e com
bastante sentido. Não, porém, o futuro. Decidiu interpretá-los. Sua técnica
interpretativa era mais ou menos assim. Tomava as várias partes de um sonho,
seu ou alheio, e fazia com que o sonhador associasse idéias e lembranças a cada
uma delas. Foi possível descobrir assim que os sonhos diziam respeito, em
parte, aos acontecimentos do dia anterior, embora se relacionassem também com
modos de ser infantis do sujeito. (pág. 106)
“Do
conjunto de associações que partem do sonho, o intérprete retira um sentido que
lhe parece razoável. Para Freud, e para nós, todo sonho é uma tentativa de
realização do desejo. (...)” (pág. 107)
“Inconsciente
é o nome que se dá a um sistema lógico que, por necessidade teórica, supomos
que opere na mente das pessoas, sem no entanto afirmar que, em si mesmo, seja
assim ou assado.” (pág. 107)
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